sexta-feira, 23 de julho de 2010

Depoimento - Maratona do Rio de Janeiro


MARATONA DO RIO DE JANEIRO – Por mais difícil que seja o caminho nunca desista.

O início de uma Maratona não acontece quando o atleta cruza a largada da prova ao ouvir o tiro de partida. O “start” acontece no instante em que a inscrição é realizada, a partir daí o corredor inicia os treinos diários, quase sempre puxados, visando cruzar com êxito o pórtico de chegada.

As planilhas são extenuantes, os treinos longos são desafiadores: 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36 e 38, esse último desaconselhável pelos treinadores, mas, sinceramente, acredito que é útil para quem vai correr uma maratona pela primeira vez. Ter corrido essa distância gerou uma grande confiança em mim. Adquiri a certeza de que o meu corpo tinha a capacidade de correr até bem próximo da distância a ser alcançada. Os 42.195 metros.

Depois de participar de vinte e oito provas, cinco das quais sendo Meias Maratonas, escolhi correr, ou melhor, desafiar a distância na Maratona da Cidade do Rio de Janeiro, local de beleza ímpar, prova de percurso favorável, apesar das subidas na segunda metade do percurso entre os quilômetros vinte e dois e vinte oito, a primeira é o elevado do Joá e a segunda é a temida Av. Niemeyer, essa possuidora de uma forte elevação, com aproximadamente dois quilômetros de extensão. Ambas são difíceis, principalmente porque são em seqüência, mas quem é acostumado a correr na Via Costeira, nas ladeiras da Rodrigues Alves, na Ladeira do Sol e na subida do Circo da Folia em Pirangi tira de letra.

Aqui cabe um registro interessante, o Rio de Janeiro respira atividade física vinte e quatro horas por dia, em Copacabana é possível ver corredores, caminhantes, ciclista, patinadores, skaitistas e outros atletas de manhã, de tarde e até altas horas da noite. Diferente da nossa cidade, apontada por um estudo da USP como uma das capitais mais sedentárias do país. No domingo as vias são fechadas para que a população possa aproveitar as avenidas de Copacabana, de Ipanema e do Aterro do Flamengo para a prática de atividades físicas. Já aqui em Natal...

A prova é muito bem organizada. Aliás, as três, pois a Maratona do Rio é composta também por uma corrida de 6k e da Meia Maratona, todas com expressiva participação, totalizando aproximadamente mais de onze mil atletas concluintes.

Para evitar acordar muito cedo no dia da prova eu e Assis, resolvemos dormir num hotel situado quase em frente da largada da Maratona. Tudo perfeito e previsto para iniciar o grande dia sem atropelos. Todavia, talvez por nervosismo, consegui a incrível façanha de largar “dez” minutos após o início da prova. Quando estava saindo do quarto a chave caiu no chão, ao pegá-la o fone do meu mp3 enganchou na cama e quebrou. Por conta desse imprevisto tive que dar uma de “Magaiver” para consertá-lo com esparadrapo. Deu certo. Entretanto esse contratempo me fez chegar atrasado ao local da largada.

Quando cheguei ao pórtico tive uma desagradável surpresa: cadê o povo? Onde estão os atletas? Puta q.. p... que mer.., a largada já tinha acontecido há aproximadamente dez minutos e os primeiros colocados estavam passando de volta pelo pórtico, isso com três quilômetros de prova.

Naquele instante um filme passou na minha cabeça, quase três mil quilômetros percorridos em treinamentos desde a conclusão da minha primeira Meia, muita musculação, muito gelo para tratar as contusões, os inúmeros exames médicos e a imprescindível compreensão da família devido às ausências causadas pelos treinos agendados, conciliando toda essa preparação com o trabalho para chegar atrasado a largada no dia da prova. E o mais incrível, estando hospedado a menos de cento e cinqüenta metros da largada. A situação seria cômica se não fosse trágica. Só faltou a narração do Faustão para a pegadinha ficar completa. Confesso, deu vontade de chorar, de desistir, de abandonar os meus planos de correr a Maratona. Talvez fosse um “aviso”, ainda bem que não sou supersticioso, e olha que nas últimas semanas uma canelite de arromba estava me incomodando, mas, como sempre dizia o meu amigo “Zé Alves”, que corre com a galera da UFRN: você só deixa de completar a maratona se não conseguir sequer caminhar e cair pelo caminho.

Perguntei ao locutor por onde era o caminho e saí desolado correndo absolutamente sozinho em desabalado ritmo. Alguns minutos depois os demais atletas que não eram da elite passaram por mim no sentido contrário. Ainda bem que eu percebi que o meu ritmo estava muito rápido, do jeito que eu estava correndo meu glicogênio não chegaria aos dez quilômetros, e reduzi o pace.

Quando cruzei o pórtico de largada já com três quilômetros o locutor bradou: vamos aplaudir os últimos colocados na Maratona do Rio, vamos aplaudir o esforço, a garra, a dedicação, a força de vontade.... Eu sorri e acenei para os espectadores e staffs presentes no local. Foi bem “animador” escutar esse incentivo.

Apesar de tudo me refiz da emoção que foi o meu início de prova, a minha tranqüilidade estava volta, comecei a sentir o prazer que é correr uma maratona, apesar do frio e do forte vento que soprava no sentido contrário, dificultando um pouco o estabelecimento do ritmo que eu pretendia. Mas segui em frente, só faltavam trinta e nove quilômetros. Na largada estavam a minha esposa, o meu filho de seis anos e alguns amigos esperando por mim. Eu não podia decepcioná-los.

Por volta do quarto ou quinto quilômetro cheguei a vários corredores e consegui ultrapassá-los, oriundos de vários países, uma verdadeira Torre de Babel, eram americanos, ingleses, canadenses, alguns destes corriam com a camisa indicando a condição de diabéticos, poloneses, chilenos, argentinos etc. A partir daí a corrida era outra.

Nesse ponto o percurso é uma reta sem fim de aproximadamente vinte quilômetros, interminável, fácil de correr se não fosse o vendaval e o frio que fazia. No quilômetro dezessete passei por Assis, o companheiro inseparável, inestimável e dedicado de treinos, expliquei o acontecido na largada e fui em frente.

Ao passar na marca da meia maratona estava me sentindo muito bem, a canelite não incomodou, sequer esboçava o menor indício de cansaço, mas sabia que as subidas da prova começariam a partir dali.

No elevado do Joá, por volta do quilômetro vinte e três ainda me poupei um pouco. Achei até leve a elevação, e a vista após o túnel é belíssima, um verdadeiro cartão postal do Rio.

No entanto, na Av. Niemayer, a subida mais temida pelos cariocas, por volta do quilômetro vinte seis de prova, decidi que a partir dali iria correr literalmente com o coração, ou seja, passei a subir forte com um grupo de dez corredores. Rapidamente passei à frente do grupo e fui ditando o ritmo. Percebi que a maioria foi ficando para trás, somente um corredor subia ao meu lado. De repente ele me perguntou se faltava muito para terminar a ladeira. Foi quando descobri que ele era de Fortaleza. Aproveitei para convidá-lo para correr a Meia Maratona de Natal. Nesse trecho é marcante ver as crianças da Favela do Vidigal em cima da mureta da avenida com as mãos estendidas cumprimentando os maratonistas. Alguns dão os seus bonés em retribuição.

Na descida da Niemayer comecei a acelerar rumo ao Aterro, passando por São Conrado, onde o ex-jogador do Milan e do Flamengo Leonardo estava sentado na beira da pista incentivando os maratonistas, em seguida vieram os bairros do Leblon, Ipanema, Copacabana e Leme, onde muita gente das mais variadas idades; crianças, jovens, adultos, idosos, enfim, famílias inteiras acenavam, estimulavam, gritavam e aplaudiam os atletas.

Essa parte da prova é um pouco triste, pois são os inúmeros os corredores que vão ficando pelo caminho, as quebras são inevitáveis, é o famoso “muro da maratona”, por volta do quilômetro trinta. Alguns não se entregam no primeiro sinal de fadiga, tentam trotar, caminham, alongam, mas, infelizmente, apesar de faltar apenas e tão somente doze quilômetros o sonho de cruzar a linha de chegada ficará para a próxima.

Nesse ponto, completamente empolgado e estimulado pela chegada iminente, corri numa velocidade forte e constante, fiz os últimos dez quilômetros em mais ou menos cinqüenta e quatro minutos. Passei por muita gente. Vi muitos atletas se superando para terminarem a prova, mas permaneci o tempo todo confiante no meu êxito. A partir do quilômetro quarenta dei o meu gás final. Fiz os dois últimos quilômetros em 5’15 e 5’10.

A chegada é uma festa, é emocionante, tem fotógrafos por todos os lados da pista, só faltou o nosso “Pereira” por lá, os torcedores acenavam, os staffs incentivavam, passei por diversos atletas chorando emocionados, alguns de mãos dadas, outros literalmente empurrando os companheiros de jornada, alguns correndo de mãos dadas com crianças, é difícil descrever o cenário.

A minha torcida também estava lá. Quando apareci após a última curva antes do pórtico tive o momento especial de acenar para minha esposa, para o meu torcedor número um, o meu filho Eduardo, ele que também estava presente acenando e gritando “pai” “pai” na chegada da primeira prova de rua que participei a corrida do Corpo de Bombeiros no ano de 2007 em Natal, e para os amigos que participavam desse momento de êxtase, superação e alegria indescritíveis.

Cruzei a linha de chegada, o meu objetivo quase impossível, um sonho distante da época das primeiras passadas no calçadão da Roberto Freire, dificílimo para uma pessoa asmática, com o tempo de 4°7”16’ ao som de Sweet Child, e com a decepção de perceber que a prova tinha terminado.Que venham as próximas.

Cláudio, corredor de rua e maratonista.

9 comentários:

Santiago Vieira disse...

Bela narrativa.
Meus parabéns pela prova.
Sem dúvida, me inspirou. Ainda estou nas provas de 5K, mas logo chegarei numa maratona.
Legal você ter encontrado um conterraneo meu lá. Arri-égua macho, Cearense tá em tudo que é lugar.

Vanusa disse...

Pôooooooooxa, Claudio! Que depoimento emocionante, eu e Ivan lemos juntos e ficamos arrepiados, sentindo-nos quase presentes, c orrendo com vc. Parabéns, agora já és MARATONISTA com todas as letras. Valeu à pena o esforço, o tempo investido, os machucados, tudo que vc abriu mão para focar em seu objetivo. Missão cumprida, corredor!!! Vc tem nossa admiração e respeito pq 42 kms e 195 ms é coisa para super-herói, para Magaiver messssssssssssssmo (como falam os cariocas). Planos para a próxima??? Tenho certeza que incluirão o Forrest, que vai “voar” junto com vc.

Sawaki disse...

Parabéns cara, sou de Natal e sempre estou dando uma olhada no seu blog pra ficar por dentro das notícias na terrinha... inclusive vi a corrida da caixa em agosto e já me inscrevi, aproveitando as férias na cidade. Parabéns pela maratona, não poderia ter cenário melhor. Abraço e boas corridas...

Unknown disse...

Cláudio,parabéns pela bela luta contra o asfalto carioca! Uma maratona não é para qualquer um! Ela é um teste de superação física e emocional, a paciência é seu ponto chave! Quem consegue treinar e terminar uma maratona, nunca mais é a mesma pessoa, seu auto-conhecimento e estima é elevado a um patamar mais alto, creio que é uma espécie de mestrado físico e mental! E isso se reflete de uma forma positiva na sua profissão e no cotidinao familiar!
Que você, na sua determinação, seja exemplo e encorajanento para outros atletas que temem essa desafiadora distância!

Franco.

Maratonista disse...

Parabens Claudio e bemvindo ao time!! A grande maioria das pessoas que correm maratona fica só na primeira. Não deixe isso acontecer! Programe logo a segunda. Para 2011 tenho um desafio e já lhe convido: correr todas as maratonas que houver no Brasil. Vamos?
Josivan

Ronaldo disse...

Valeu, Claudio tu corre e escreve bem para caramba, me senti como no longão de sáb 19/6 ao seu lado. Já tinham me falado deste seu depoimento, mas é muito legal mesmo.
Valeu, dia 17 estaremos lá agora chegando mais cedo :)
Ronaldo

Diogo disse...

Cláudio, parabens pelo texto belissimo e principalmente pela MARATONA.
Pra mim q estou treinando p fazer a minha 1a MARATONA tb no Rio, seu relato foi simplesmente emocionante. Não deu p conter as lagrimas,só quem corre p entender.

Anônimo disse...

Cara, sou de Niterói. Cheguei aqui, passeando pelo orkut ao ver comunidades de uma corredora e achei a comunidade da Maratona do Rio de 2011 onde você postou o link de seu relato.
Ainda não corri uma Maratona. Fiz duas Meias aqui no Rio, a segunda foi essa última que você correu a outra Maratona desse ano. Sensacional seu relato! Só achei que você nem precisava orientar alguém para não cometer o seu erro. Difícil foi entender como você o fez. Estava sem relógio? Não percebeu que estava perdendo tempo tentando consertar o fone? Imagino que você devia estar muito nervoso e nem pensou em mais nada, só no fone, para que você corresse como estava planejado. Nessa última Meia, eu também larguei atrasado, mas foi porque meu transporte, que me levaria até a largada, não apareceu. E, saindo de Niterói, gasto muito mais tempo, e tive que ir para onde era a chegada para pegar um dos ônibus que a organização disponibilizou, e com medo de que não tivesse mais nenhum. Para piorar, ainda tinha que ir ao banheiro e tinha muita fila. De tanta fila, saí mais atrasado que você, om 27 minutos após a largada.
Ano que vem, se Deus quiser, farei minha primeira Maratona, e você vai ser mais um de meus inspiradores. A cada relato que leio de quem completa uma Maratona, vou tirando ensinamentos. Parabéns mesmo, tanto pelo relato quanto por sua façanha, de guerreiro mesmo. E que tempo excelente você fez! Daqui a pouco vou procurar suas últimas postagens para saber como foi sua Maratona em 2011.
Um abraço

Donegan disse...

Sensacional Claudio!!! :) Parabéns! A descrição ficou muito legal, até senti que eu tava acompanhando! E uma história bem Forrest Gump mesmo hehehe
Parabéns de novo! :) Até me deu curiosidade de tentar correr...