segunda-feira, 25 de julho de 2011

A São Silvestre é sua

Quando eu era guri, já lá se vão várias décadas, a comilança do Réveillon na casa de minha avó só era liberada depois da São Silvestre. O televisor preto e branco, com a antena devidamente turbinada com chumaços de palha de aço, dominava a sala, e a netalhada toda ficava acompanhando aqueles caras correndo como doidos em algum lugar distante. Deviam ser muito importantes, pois sem eles não tinha Ano Novo.

A São Silvestre sempre foi mais do que uma corrida. Para alguns, é um sonho a perseguir; para outros, um desafio a enfrentar, uma punição a sofrer, uma promessa a pagar. Ou um farol que não só anuncia a mudança de ano mas também convoca o vivente a mudar de vida, a se renovar, a enfrentar a preguiça, a virar um atleta.

Pois são atletas todos eles que se metem a enfrentar o verão paulista, o asfalto derretendo, o fedor das avenidas, a subida interminável, os quilômetros que se arrastam.

Reclamações de todo o tipo, mas a cada ano eles estão lá de novo, e com eles outros tantos que se achegam, tateando, tentando ver se conseguem, se podem, se são capazes.

Aposto que você também já se perguntou isso. Pois aqui está a resposta: você pode, você consegue, você é capaz de correr a São Silvestre. Digo isso baseado em consultas que fiz com vários especialistas em corrida, treinadores de sujeitos comuns, amadores, e de corredores profissionais, atletas olímpicos.

Se você estiver bem de saúde, ainda que um pouco gordinho e fora de forma, estes cinco meses e pouco que faltam até a São Silvestre, no dia 31 de dezembro, são suficientes para você se levantar da cadeira, treinar um pouco e ficar na ponta dos cascos para, pelo menos, completar a prova no tempo-limite.

O mais importante, me dizem os técnicos, é você estar muito a fim de conseguir isso. Estar disposto a mexer no seu ritmo de vida e a encarar os treinos com seriedade e determinação. E ter a consciência de que, mesmo assim, não há garantias de que o objetivo será alcançado. O que não é exatamente um problema, pois você terá começado a construir uma nova perspectiva de vida.

Para começar, dê o primeiro passo. Os treinadores que consultei contribuem com dicas preciosas para curiosos, debutantes e experientes (leia no meu blog: maiscorrida.folha.com.br). Use a São Silvestre como a pedra fundamental de sua revolução. E meta o pé no asfalto que ele é seu e ninguém tasca.

RODOLFO LUCENA, 54, é editor do blog +Corrida (maiscorrida.folha.com.br), ultramaratonista, autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (Record)

domingo, 15 de maio de 2011

"Um sujeito gordo também pode fazer coisas extraordinárias"

Por Rodolfo Lucena
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2903201109.htm
Ele é grande, pesado e não está nem aí para as supostas limitações dos gordos. Aliás, carrega com orgulho o apelido Fat Man, mais do que justo para quem tem uma cintura de 153 cm. Três vezes campeão norte-americano de sumô, o estatístico Kelly Gneiting deixa a arena onde enfrenta sujeitos tão grandões quanto ele e vai para o asfalto, para mostrar que gente gorda pode fazer qualquer coisa. Até correr uma maratona.

Ele acaba de completar uma em Los Angeles e aguarda que o "Livro dos Recordes" oficialize seu título de homem mais pesado do mundo a completar uma prova do gênero.

Na semana passada, três dias depois de suas quase dez horas de corrida, Gneiting concedeu entrevista à Folha, por e-mail. Leia a seguir os principais trechos.

Folha - Por que o senhor decidiu correr a maratona? Kelly Gneiting - Eu queria estabelecer um novo recorde mundial. Queria provar para mim e para os outros que um sujeito gordo também pode fazer coisas extraordinárias. [Meu exemplo] seria como uma injeção de penicilina para aqueles que são pesados, mas têm baixa autoestima ou deixam que seu peso se traduza em incapacidade de fazer qualquer coisa.

Foi uma espécie de declaração: gordos também podem estar em forma...
Sim, e também que gordos podem fazer qualquer coisa, que qualquer pessoa, mesmo com algum tipo de fraqueza, pode fazer qualquer coisa.

Como o senhor treinou para a maratona de Los Angeles?
Eu sou um sujeito muito ativo e não deixo que o meu peso me impeça de fazer nada. Estou sempre treinando para o sumô, mas, quando decidi fazer a maratona, passei a incluir treinos específicos na minha preparação desde cinco meses antes da prova. Treino seis vezes por semana: dois dias de preparação para o sumô, dois treinos em escadas e dois treinos de corrida; em geral, cada treino dura 45 minutos.

Como foi a prova?
Foi muito difícil, extremamente dura, desde o princípio. Meus pés começaram a doer pouco depois do segundo quilômetro; em geral, nos treinos, eles começam a doer só depois de uns dez quilômetros. Então, desde o começo fiquei muito preocupado, mas você acaba se acostumando com as dores. Cheguei a ter bolhas. Naquele domingo, Los Angeles teve uma chuva recorde, e a chuva e o vento transformaram a corrida num inferno. Eu trotei por cerca de 13 quilômetros, depois caminhei com rapidez e energia por mais uns seis quilômetros e, depois, fiz o que era possível para sobreviver, ficar de pé e chegar até o fim.

Depois de completar a maratona em 9h48min52, reduzindo em mais de duas horas o seu tempo anterior, o senhor teria dito que se considera um dos melhores atletas do mundo. É isso mesmo?
Eu espero que o fato de eu ter completado a maratona mostre quanto eu sou durão. As lutas de sumô duram seis segundos; as maratonas duram muito mais. Meu corpo é extremamente durável. Nunca tive um osso quebrado. Eu tenho tanta confiança nas minhas habilidades que, sim, acredito que sou um dos melhores do mundo.

Sobre a morte na maratona

Por Rodolfo Lucena
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2203201106.htm

A CADA segunda-feira, recebo dezenas de despachos com informações sobre maratonas realizadas no mundo no fim de semana. Com frequência cada vez maior, é com tristeza que vejo notícias de mortes no asfalto.

Outro dia, um sujeito de 36 anos teve um ataque cardíaco ao cruzar a linha de chegada de uma meia maratona nos Estados Unidos.

"As mortes em provas longas vêm aumentando em uma taxa de 15% a 20% por ano", me diz o chefe da CardioEsporte do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Nabil Ghorayeb.

Há várias razões para isso, a começar pelo aumento do número de corredores e de corridas de rua.

Em 2009, houve mais de 1,1 milhão de concluintes em meias maratonas nos EUA, contra cerca de 900 mil no ano anterior. No ano passado, a Federação Paulista de Atletismo registrou 374 provas no Estado, expansão de 24% em relação a 2009. E aposto uma bolsa de soro como boa parte não oferecia condições para atendimento de urgência.

Há também a questão comportamental: quantos corredores fazem exame médico adequado? Não sei a resposta, mas garanto que são menos do que deveriam.

A maratona é uma atividade extenuante, que cobra um alto preço de nosso corpo. O desgaste físico dura dias e até semanas. Durante a prova, há riscos de perda excessiva de sódio, aumento demasiado da temperatura do corpo e desidratação, sem falar de lesões musculares e ameaças ao nosso pobre coração.

Por isso, aconselha Ghorayeb, o candidato a maratonista deve visitar um médico especializado em esporte e fazer exames de laboratório, eletrocardiograma, teste ergométrico até o limite de exaustão, com médico habilitado, e ecocardiograma.

Os médicos recomendam a atividade física moderada, praticada três a quatro vezes por semana. Quando, porém, essa atividade se transforma em esporte, e a gente busca competir ou melhorar o desempenho, passa a envolver riscos em penca.

Envolve também prazer, paixão, satisfação pessoal, alegria, prêmios que nenhum exame médico do mundo consegue contabilizar.

Cabe a cada um seguir na sua busca, sim, às vezes até exagerando, mas tendo consciência dos riscos e procurando se proteger, tomando medidas preventivas que tornem mais segura a corrida nossa de cada dia.

E lá vamos nós metendo perna no asfalto.
RODOLFO LUCENA , 53, é editor do caderno Tec e do blog +Corrida (maiscorrida.folha.com.br), ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (Record)

sábado, 19 de março de 2011

Cuca fresca : Evite a desidratação e garanta energia líquida para sua corrida

Por Christie Aschwanden

Especialmente no verão, manter-se hidratado é fundamental para ir longe nos treinos. "Em ambientes quentes, um grau de desidratação de 2% já provoca queda do desempenho", afirma Robert Kenefick, fisiologista do Research Institute of Environmental Medicine, do Exército americano. E não basta ter líquidos a mão, é preciso saber quando e como cada um deve ser utilizado. Com base em diversos estudos recentes sobre o tema, elaboramos estratégias para você fazer dos líquidos aliados da sua corrida.

ANTECIPE A HIDRATAÇÃO E GANHE VELOCIDADE - POR QUÊ
Em um estudo de abril de 2010 da revista científica Journal of Athtletic Training, corredores que estavam desidratados no início de uma prova de 12 km, num dia em que fazia perto de 27 °C, terminaram o percurso em ritmo aproximadamente 2min30 mais lento comparado a quando começaram a correr bem hidratados. A desidratação diminui o volume sanguíneo, que, por sua vez, reduz a capacidade do organismo de transmitir calor e acaba forçando o coração a bater mais rapidamente. Assim, o corpo tem mais dificuldade para responder ao esforço.

BEBA
Uma a duas horas antes da corrida, beba de 250 a 500 ml de líquido (1 a 2 copos). Bebidas esportivas, água e chá gelado são boas opções, segundo a nutricionista Cassie Dimmick. Mas, se você não tiver se programado com antecedência, tome pelo menos 125 a 250 ml de líquido, 15 a 30 minutos antes do treino.

ESCOLHA BEBIDAS GELADAS NOS LONGÕES - POR QUÊ
Em um estudo de 2008 da revista Medicine & Science in Sports & Exercises, ciclistas que haviam consumido bebidas frias antes e durante o treino fizeram quase 12 minutos mais de exercício quando comparados aos que haviam consumido bebidas quentes. E, em um estudo de 2010, corredores que haviam consumido uma raspadinha correram 10 minutos mais, comparados a quando consumiram uma bebida fria. Em ambos os casos, a bebida mais gelada diminuiu a temperatura do corpo e a percepção de esforço. E os atletas se exercitaram por mais tempo.

BEBA
Em um dia quente, antes de sair para correr, tome uma raspadinha feita com gelo moído e sua bebida esportiva predileta. E, para manter sua bebida gelada durante a corrida, encha meia garrafa e deixe congelar; depois, complete a garrafa com mais bebida e vá correr. Se contar com uma equipe de apoio, espalhe ao longo do trajeto garrafas em recipientes térmicos (cooler).

SIGA O PLANO - POR QUÊ
Em um estudo publicado em julho de 2009 no Journal of Sports Sciences, ciclistas que seguiram um plano de hidratação durante os treinos — inclusive com a marcação exata do tempo e do volume de líquido consumido — aumentaram a frequência do consumo de líquidos e beberam mais na metade do treino. "O planejamento ajuda as pessoas a se lembrarem da quantidade de líquido que precisam consumir e de quando devem fazer isso", afirma o autor principal do artigo, Martin Hagger, da University of Nottingham, do Reino Unido.

BEBA
Observe sua sede durante as corridas e anote com que frequência você ingeriu líquidos e em que quantidade. Reveja suas anotações para fazer um planejamento. Ajuste seu cronômetro para apitar a cada 15 minutos, assim você vai se lembrar de avaliar sua sede. "Beber pequenas quantidades de líquido em intervalos regulares pode ajudar você a absorver a bebida de modo mais eficaz e evitar a sensação de estômago estufado", diz Cassie.

DÊ SÓ UM GOLINHO -POR QUÊ
Você não está com vontade de beber quase 4 litros de bebida esportiva? Então não faça isso. Em um estudo de 2010 da revista Medicine & Science in Sports & Exercise, corredores que usaram uma solução de carboidratos como enxaguatório bucal pouco antes do início e a cada 15 minutos, durante uma corrida de uma hora na esteira, foram mais velozes e conseguiram correr 200 metros mais, comparados aos atletas que usaram um placebo. "Os carboidratos ativam o centro de recompensa no cérebro", afirma Ian Rollo, um dos autores do estudo. O cérebro sente a entrada de energia "que pode diminuir a percepção do esforço", segundo Rollo.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Que tipo de corredor você é? - Por Rodolfo Lucena

SE VOCÊ FOSSE UM ANIMAL, que bicho seria? E se fosse uma flor, onde estaria no jardim? E um personagem do último "BBB"? Responda a um breve questionário, marque cruzinhas lá e cá e... voilà!, o resultado destrincha sua personalidade e revela qualidades e defeitos, vocação profissional, cor, números para jogar na Sena.

Nas revistas e nos jornais, no e-mail e nas redes sociais, os testes tentam nos enquadrar, etiquetar, catalogar; e a gente responde, querendo descobrir o âmago de si mesmo ou apenas saber que está integrado a um grupo.

Também é assim no mundo corrido. Sua musculatura tem mais fibras rápidas, portanto você tem de ser velocista. Se lentas, há que virar ultramaratonista. Se tiver pé chato, é pronador, obrigado ao uso de tênis de controle de movimento.

Corre quantas vezes por semana, participa de corridas, vai para o pódio? Tudo para definir que tipo de corredor você é, se eventual, não participativo, competitivo, amador engajado ou candidato a profissional, elite ou pangaré.

Pois lhe digo, imitando o refrão carnavalesco: todos eles estão errados, a corrida é dos namorados. Somos todos apaixonados pela corrida e por colocar o corpo a correr, seja do jeito que for, na direção que der. Somos todos diferentes entre nós e, mais importante ainda, somos diferentes de nós mesmos.

Para desespero de técnicos, professores e cientistas, o corredor pode tomar emprestado a definição de Pessoa: "Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas".

Há dias em que saímos para correr como o vento, outros em que arrastamos o corpo no asfalto; na mesma corrida, entramos em êxtase com uma disparada e descemos à sarjeta. Há quem goste de provas aos montes, há quem corra pelo simples prazer do gesto. Planejamos eventos com anos de antecedência e, na hora, mudamos de ideia; ou o contrário.

A essência do corredor não cabe nas pinceladas exatas de Rembrandt; é, antes, revelada no torvelinho cubista de Picasso: nariz torto, orelha no queixo, boca desfocada, olhos em toda a parte.

É melhor, então, não procurar moldura nem prateleira. Em vez disso, seguir consigo mesmo nas próprias passadas, ouvindo o conselho que o tal anjo torto um dia deu ao poeta Drummond: vai, corredor, ser gauche na vida.
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RODOLFO LUCENA , 54, é editor de Tec e do blog +Corrida (maiscorrida.folha.com.br), ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (Record) e de "+Corrida" (Publifolha)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Em louvor quem chega depois - RODOLFO LUCENA

A SABEDORIA popular promete, em tom que cheira a acomodada e crédula religiosidade, que "os últimos serão os primeiros".

Lamento informar que isso não condiz com a dura realidade. O fato é que os últimos chegam mais tarde, depois. O que não é desdouro nenhum, pelo menos no maravilhoso mundo das corridas de rua.

Ao contrário, como comprovam muitas histórias transcorridas em maratonas e corridas menos longas.

Na maratona de White Rock, realizada no mês passado nos EUA, o derradeiro corredor foi um sujeito de 44 anos que terminou quando a música já tinha sido desligada e os fotógrafos contratados para capturar o momento da chegada já estavam em casa descansando, descrentes de que ainda haveria algum incauto correndo.

Douglas Hartman não estava nem aí. Dolorido e emocionado, cruzou chorando a linha de chegada após mais de oito horas. Ele nunca havia chegado perto dos 42.195 metros nem treinara para o desafio, mas enfrentou a distância para homenagear a mulher, morta havia um ano.

Quase nunca são tão dramáticas as razões que levam alguém a se manter de cabeça erguida, decidido a dar mais um passo e outro ainda, apesar de o esforço parecer sobre-humano. Vejo isso nas maratonas e nas ultras, mas também em provas curtas, que recomeço a frequentar neste período em que me recupero de uma lesão.

Numa recente corrida de seis quilômetros, fiquei impressionado com o esforço feito por homens e mulheres para completar o percurso.

A maioria dos corredores já tinha ido embora, e os últimos seguiam com insistência, como a mandar um recado: "Eu vou conseguir". Ou, numa fala mais compatível com o suor que empapa o corpo: "Eu sou f***!".

De fato, esses corredores são inspiradores e poderosos. Com certeza, não têm o treino nem a capacidade dos velocistas, não levam troféus nem disputam postos, mas demonstram vontade inquebrantável e completo desprezo pela competitividade mesquinha e inútil que não poucas vezes serve de motor para quem participa de uma corrida ("vou passar aquele cara de qualquer jeito").

A inspiração dos últimos é mais gloriosa: desafiam com galhardia a distância, vão em frente ainda que cada centímetro torça músculos e maltrate a carne -que, como sabemos, é fraca. O espírito, porém, é indomável: os últimos chegam depois, mas são sempre campeões.

RODOLFO LUCENA, 53, é editor do caderno Tec e do blog +Corrida (maiscorrida.folha.com.br), ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (Record)

domingo, 16 de janeiro de 2011

São Silvestre, 1999

Por Antonio Prata
Publicado na revista Runner's http://runnersworld.abril.com.br/

Aos vinte e dois anos eu corri pela primeira vez sem ser para pegar um ônibus, fugir de ladrão ou por coação de um professor de educação física. Era janeiro de 1999, eu tinha parado de fumar e, com medo de dobrar-me aos insistentes apelos da nicotina, resolvi dar a meu corpo um tratamento de choque: me inscrevi para a São Silvestre.

Não foi uma decisão pequena. Até então, eu e o esporte não havíamos tido uma relação muito amigável. No futebol, sou tão ruim que até hoje não descobri se chuto com a direita ou com a esquerda. (Desconfio que, na verdade, com nenhuma das duas.) No vôlei, quando a bola vinha na minha direção, eu começava a entrelaçar os dedos, preparando uma manchete e geralmente só terminava a complexa operação quando o outro time já estava comemorando o ponto. Acho que nunca fiz uma cesta no basquete nem um gol no handball e, jogando tênis, juro, consegui quebrar o dente da frente, acertando-me uma raquetada. Até que, aos vinte e dois anos...

No final de janeiro, matriculei-me numa academia e expus ao instrutor meus objetivos. Ele passou-me treinos de corrida e musculação e comecei minha empreitada. O início foi terrível. Depois de dez minutos correndo, parecia que eu ia vomitar. E depois, morrer. Levou algumas semanas para que eu conseguisse correr meia hora, direto. (E pouco mais de um mês para que eu corresse meia hora, direto, sem achar que ia vomitar. E depois, morrer.) Nesse mesmo período, pela primeira vez na vida, encostei os dedos no chão, sem dobrar os joelhos. Senti o que devem sentir os atletas olímpicos, ao subir ao pódium. Em seis meses estava correndo dez quilômetros e, em novembro, na Praia da Fazenda, Ubatuba, corri os quinze, finalmente.

No dia 31 de dezembro, gabaritei as recomendações nas matérias dos jornais: tomei bastante líquido, comi macarrão com molho de tomate e, às cinco da tarde, em meio a um monte de Elvis, Rauls Seixas e grupos com faixas como “Associação de Ex-Bancários de Jacareí” e “Equipe Ponto Frio Sacomã”, saí da frente do MASP para correr minha primeira prova.

Eu não tinha ideia de que a São Silvestre fosse aquela festa. Não houve um metro dos quinze mil do percurso em que não houvesse gente nas calçadas, incentivando. Pais com os filhos nos ombros, balançando bandeirolas do Brasil, aposentados nas janelas, no Minhocão, acenando, famílias inteiras, na Brigadeiro, aplaudindo, garotas de programa, na Consolação, dizendo “ai, coração, vem suar aqui comigo!”. Bem, essas últimas não estavam exatamente incentivando-nos a continuar a prova, mas considerando-se o visual de algumas das profissionais, não deixava de ser um estímulo para sairmos correndo.

Fiz a prova devagar, terminei-a em uma hora e trinta e nove minutos e cheguei em oito mil e não sei quanto, atrás de muitos Elvis e Rauls, mas não me importei com tempo ou colocação, não era para isso que corria.

Há quem diga que, passados dez anos, já esteja na hora de tentar correr com uma bola nos pés ou nas mãos, mas acho melhor não. Em time que está ganhando, não se mexe – e essa é a maior vantagem do nosso esporte sobre todos os outros, podemos sair vitoriosos mesmo chegando atrás de um Raul com cabeleira no ombro e violão nas costas e de mais de um Elvis, de roupa de couro branca, na fase gordo.