MARATONA DO RIO DE JANEIRO – Por mais difícil que seja o caminho nunca desista.
O início de uma Maratona não acontece quando o atleta cruza a largada da prova ao ouvir o tiro de partida. O “start” acontece no instante em que a inscrição é realizada, a partir daí o corredor inicia os treinos diários, quase sempre puxados, visando cruzar com êxito o pórtico de chegada.
As planilhas são extenuantes, os treinos longos são desafiadores: 22, 24, 26, 28, 30, 32, 34, 36 e 38, esse último desaconselhável pelos treinadores, mas, sinceramente, acredito que é útil para quem vai correr uma maratona pela primeira vez. Ter corrido essa distância gerou uma grande confiança em mim. Adquiri a certeza de que o meu corpo tinha a capacidade de correr até bem próximo da distância a ser alcançada. Os 42.195 metros.
Depois de participar de vinte e oito provas, cinco das quais sendo Meias Maratonas, escolhi correr, ou melhor, desafiar a distância na Maratona da Cidade do Rio de Janeiro, local de beleza ímpar, prova de percurso favorável, apesar das subidas na segunda metade do percurso entre os quilômetros vinte e dois e vinte oito, a primeira é o elevado do Joá e a segunda é a temida Av. Niemeyer, essa possuidora de uma forte elevação, com aproximadamente dois quilômetros de extensão. Ambas são difíceis, principalmente porque são em seqüência, mas quem é acostumado a correr na Via Costeira, nas ladeiras da Rodrigues Alves, na Ladeira do Sol e na subida do Circo da Folia em Pirangi tira de letra.
Aqui cabe um registro interessante, o Rio de Janeiro respira atividade física vinte e quatro horas por dia, em Copacabana é possível ver corredores, caminhantes, ciclista, patinadores, skaitistas e outros atletas de manhã, de tarde e até altas horas da noite. Diferente da nossa cidade, apontada por um estudo da USP como uma das capitais mais sedentárias do país. No domingo as vias são fechadas para que a população possa aproveitar as avenidas de Copacabana, de Ipanema e do Aterro do Flamengo para a prática de atividades físicas. Já aqui em Natal...
A prova é muito bem organizada. Aliás, as três, pois a Maratona do Rio é composta também por uma corrida de 6k e da Meia Maratona, todas com expressiva participação, totalizando aproximadamente mais de onze mil atletas concluintes.
Para evitar acordar muito cedo no dia da prova eu e Assis, resolvemos dormir num hotel situado quase em frente da largada da Maratona. Tudo perfeito e previsto para iniciar o grande dia sem atropelos. Todavia, talvez por nervosismo, consegui a incrível façanha de largar “dez” minutos após o início da prova. Quando estava saindo do quarto a chave caiu no chão, ao pegá-la o fone do meu mp3 enganchou na cama e quebrou. Por conta desse imprevisto tive que dar uma de “Magaiver” para consertá-lo com esparadrapo. Deu certo. Entretanto esse contratempo me fez chegar atrasado ao local da largada.
Quando cheguei ao pórtico tive uma desagradável surpresa: cadê o povo? Onde estão os atletas? Puta q.. p... que mer.., a largada já tinha acontecido há aproximadamente dez minutos e os primeiros colocados estavam passando de volta pelo pórtico, isso com três quilômetros de prova.
Naquele instante um filme passou na minha cabeça, quase três mil quilômetros percorridos em treinamentos desde a conclusão da minha primeira Meia, muita musculação, muito gelo para tratar as contusões, os inúmeros exames médicos e a imprescindível compreensão da família devido às ausências causadas pelos treinos agendados, conciliando toda essa preparação com o trabalho para chegar atrasado a largada no dia da prova. E o mais incrível, estando hospedado a menos de cento e cinqüenta metros da largada. A situação seria cômica se não fosse trágica. Só faltou a narração do Faustão para a pegadinha ficar completa. Confesso, deu vontade de chorar, de desistir, de abandonar os meus planos de correr a Maratona. Talvez fosse um “aviso”, ainda bem que não sou supersticioso, e olha que nas últimas semanas uma canelite de arromba estava me incomodando, mas, como sempre dizia o meu amigo “Zé Alves”, que corre com a galera da UFRN: você só deixa de completar a maratona se não conseguir sequer caminhar e cair pelo caminho.
Perguntei ao locutor por onde era o caminho e saí desolado correndo absolutamente sozinho em desabalado ritmo. Alguns minutos depois os demais atletas que não eram da elite passaram por mim no sentido contrário. Ainda bem que eu percebi que o meu ritmo estava muito rápido, do jeito que eu estava correndo meu glicogênio não chegaria aos dez quilômetros, e reduzi o pace.
Quando cruzei o pórtico de largada já com três quilômetros o locutor bradou: vamos aplaudir os últimos colocados na Maratona do Rio, vamos aplaudir o esforço, a garra, a dedicação, a força de vontade.... Eu sorri e acenei para os espectadores e staffs presentes no local. Foi bem “animador” escutar esse incentivo.
Apesar de tudo me refiz da emoção que foi o meu início de prova, a minha tranqüilidade estava volta, comecei a sentir o prazer que é correr uma maratona, apesar do frio e do forte vento que soprava no sentido contrário, dificultando um pouco o estabelecimento do ritmo que eu pretendia. Mas segui em frente, só faltavam trinta e nove quilômetros. Na largada estavam a minha esposa, o meu filho de seis anos e alguns amigos esperando por mim. Eu não podia decepcioná-los.
Por volta do quarto ou quinto quilômetro cheguei a vários corredores e consegui ultrapassá-los, oriundos de vários países, uma verdadeira Torre de Babel, eram americanos, ingleses, canadenses, alguns destes corriam com a camisa indicando a condição de diabéticos, poloneses, chilenos, argentinos etc. A partir daí a corrida era outra.
Nesse ponto o percurso é uma reta sem fim de aproximadamente vinte quilômetros, interminável, fácil de correr se não fosse o vendaval e o frio que fazia. No quilômetro dezessete passei por Assis, o companheiro inseparável, inestimável e dedicado de treinos, expliquei o acontecido na largada e fui em frente.
Ao passar na marca da meia maratona estava me sentindo muito bem, a canelite não incomodou, sequer esboçava o menor indício de cansaço, mas sabia que as subidas da prova começariam a partir dali.
No elevado do Joá, por volta do quilômetro vinte e três ainda me poupei um pouco. Achei até leve a elevação, e a vista após o túnel é belíssima, um verdadeiro cartão postal do Rio.
No entanto, na Av. Niemayer, a subida mais temida pelos cariocas, por volta do quilômetro vinte seis de prova, decidi que a partir dali iria correr literalmente com o coração, ou seja, passei a subir forte com um grupo de dez corredores. Rapidamente passei à frente do grupo e fui ditando o ritmo. Percebi que a maioria foi ficando para trás, somente um corredor subia ao meu lado. De repente ele me perguntou se faltava muito para terminar a ladeira. Foi quando descobri que ele era de Fortaleza. Aproveitei para convidá-lo para correr a Meia Maratona de Natal. Nesse trecho é marcante ver as crianças da Favela do Vidigal em cima da mureta da avenida com as mãos estendidas cumprimentando os maratonistas. Alguns dão os seus bonés em retribuição.
Na descida da Niemayer comecei a acelerar rumo ao Aterro, passando por São Conrado, onde o ex-jogador do Milan e do Flamengo Leonardo estava sentado na beira da pista incentivando os maratonistas, em seguida vieram os bairros do Leblon, Ipanema, Copacabana e Leme, onde muita gente das mais variadas idades; crianças, jovens, adultos, idosos, enfim, famílias inteiras acenavam, estimulavam, gritavam e aplaudiam os atletas.
Essa parte da prova é um pouco triste, pois são os inúmeros os corredores que vão ficando pelo caminho, as quebras são inevitáveis, é o famoso “muro da maratona”, por volta do quilômetro trinta. Alguns não se entregam no primeiro sinal de fadiga, tentam trotar, caminham, alongam, mas, infelizmente, apesar de faltar apenas e tão somente doze quilômetros o sonho de cruzar a linha de chegada ficará para a próxima.
Nesse ponto, completamente empolgado e estimulado pela chegada iminente, corri numa velocidade forte e constante, fiz os últimos dez quilômetros em mais ou menos cinqüenta e quatro minutos. Passei por muita gente. Vi muitos atletas se superando para terminarem a prova, mas permaneci o tempo todo confiante no meu êxito. A partir do quilômetro quarenta dei o meu gás final. Fiz os dois últimos quilômetros em 5’15 e 5’10.
A chegada é uma festa, é emocionante, tem fotógrafos por todos os lados da pista, só faltou o nosso “Pereira” por lá, os torcedores acenavam, os staffs incentivavam, passei por diversos atletas chorando emocionados, alguns de mãos dadas, outros literalmente empurrando os companheiros de jornada, alguns correndo de mãos dadas com crianças, é difícil descrever o cenário.
A minha torcida também estava lá. Quando apareci após a última curva antes do pórtico tive o momento especial de acenar para minha esposa, para o meu torcedor número um, o meu filho Eduardo, ele que também estava presente acenando e gritando “pai” “pai” na chegada da primeira prova de rua que participei a corrida do Corpo de Bombeiros no ano de 2007 em Natal, e para os amigos que participavam desse momento de êxtase, superação e alegria indescritíveis.
Cruzei a linha de chegada, o meu objetivo quase impossível, um sonho distante da época das primeiras passadas no calçadão da Roberto Freire, dificílimo para uma pessoa asmática, com o tempo de 4°7”16’ ao som de Sweet Child, e com a decepção de perceber que a prova tinha terminado.Que venham as próximas.
Cláudio, corredor de rua e maratonista.