domingo, 15 de maio de 2011

"Um sujeito gordo também pode fazer coisas extraordinárias"

Por Rodolfo Lucena
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2903201109.htm
Ele é grande, pesado e não está nem aí para as supostas limitações dos gordos. Aliás, carrega com orgulho o apelido Fat Man, mais do que justo para quem tem uma cintura de 153 cm. Três vezes campeão norte-americano de sumô, o estatístico Kelly Gneiting deixa a arena onde enfrenta sujeitos tão grandões quanto ele e vai para o asfalto, para mostrar que gente gorda pode fazer qualquer coisa. Até correr uma maratona.

Ele acaba de completar uma em Los Angeles e aguarda que o "Livro dos Recordes" oficialize seu título de homem mais pesado do mundo a completar uma prova do gênero.

Na semana passada, três dias depois de suas quase dez horas de corrida, Gneiting concedeu entrevista à Folha, por e-mail. Leia a seguir os principais trechos.

Folha - Por que o senhor decidiu correr a maratona? Kelly Gneiting - Eu queria estabelecer um novo recorde mundial. Queria provar para mim e para os outros que um sujeito gordo também pode fazer coisas extraordinárias. [Meu exemplo] seria como uma injeção de penicilina para aqueles que são pesados, mas têm baixa autoestima ou deixam que seu peso se traduza em incapacidade de fazer qualquer coisa.

Foi uma espécie de declaração: gordos também podem estar em forma...
Sim, e também que gordos podem fazer qualquer coisa, que qualquer pessoa, mesmo com algum tipo de fraqueza, pode fazer qualquer coisa.

Como o senhor treinou para a maratona de Los Angeles?
Eu sou um sujeito muito ativo e não deixo que o meu peso me impeça de fazer nada. Estou sempre treinando para o sumô, mas, quando decidi fazer a maratona, passei a incluir treinos específicos na minha preparação desde cinco meses antes da prova. Treino seis vezes por semana: dois dias de preparação para o sumô, dois treinos em escadas e dois treinos de corrida; em geral, cada treino dura 45 minutos.

Como foi a prova?
Foi muito difícil, extremamente dura, desde o princípio. Meus pés começaram a doer pouco depois do segundo quilômetro; em geral, nos treinos, eles começam a doer só depois de uns dez quilômetros. Então, desde o começo fiquei muito preocupado, mas você acaba se acostumando com as dores. Cheguei a ter bolhas. Naquele domingo, Los Angeles teve uma chuva recorde, e a chuva e o vento transformaram a corrida num inferno. Eu trotei por cerca de 13 quilômetros, depois caminhei com rapidez e energia por mais uns seis quilômetros e, depois, fiz o que era possível para sobreviver, ficar de pé e chegar até o fim.

Depois de completar a maratona em 9h48min52, reduzindo em mais de duas horas o seu tempo anterior, o senhor teria dito que se considera um dos melhores atletas do mundo. É isso mesmo?
Eu espero que o fato de eu ter completado a maratona mostre quanto eu sou durão. As lutas de sumô duram seis segundos; as maratonas duram muito mais. Meu corpo é extremamente durável. Nunca tive um osso quebrado. Eu tenho tanta confiança nas minhas habilidades que, sim, acredito que sou um dos melhores do mundo.

Sobre a morte na maratona

Por Rodolfo Lucena
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2203201106.htm

A CADA segunda-feira, recebo dezenas de despachos com informações sobre maratonas realizadas no mundo no fim de semana. Com frequência cada vez maior, é com tristeza que vejo notícias de mortes no asfalto.

Outro dia, um sujeito de 36 anos teve um ataque cardíaco ao cruzar a linha de chegada de uma meia maratona nos Estados Unidos.

"As mortes em provas longas vêm aumentando em uma taxa de 15% a 20% por ano", me diz o chefe da CardioEsporte do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Nabil Ghorayeb.

Há várias razões para isso, a começar pelo aumento do número de corredores e de corridas de rua.

Em 2009, houve mais de 1,1 milhão de concluintes em meias maratonas nos EUA, contra cerca de 900 mil no ano anterior. No ano passado, a Federação Paulista de Atletismo registrou 374 provas no Estado, expansão de 24% em relação a 2009. E aposto uma bolsa de soro como boa parte não oferecia condições para atendimento de urgência.

Há também a questão comportamental: quantos corredores fazem exame médico adequado? Não sei a resposta, mas garanto que são menos do que deveriam.

A maratona é uma atividade extenuante, que cobra um alto preço de nosso corpo. O desgaste físico dura dias e até semanas. Durante a prova, há riscos de perda excessiva de sódio, aumento demasiado da temperatura do corpo e desidratação, sem falar de lesões musculares e ameaças ao nosso pobre coração.

Por isso, aconselha Ghorayeb, o candidato a maratonista deve visitar um médico especializado em esporte e fazer exames de laboratório, eletrocardiograma, teste ergométrico até o limite de exaustão, com médico habilitado, e ecocardiograma.

Os médicos recomendam a atividade física moderada, praticada três a quatro vezes por semana. Quando, porém, essa atividade se transforma em esporte, e a gente busca competir ou melhorar o desempenho, passa a envolver riscos em penca.

Envolve também prazer, paixão, satisfação pessoal, alegria, prêmios que nenhum exame médico do mundo consegue contabilizar.

Cabe a cada um seguir na sua busca, sim, às vezes até exagerando, mas tendo consciência dos riscos e procurando se proteger, tomando medidas preventivas que tornem mais segura a corrida nossa de cada dia.

E lá vamos nós metendo perna no asfalto.
RODOLFO LUCENA , 53, é editor do caderno Tec e do blog +Corrida (maiscorrida.folha.com.br), ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (Record)